Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência

Art and Professional Formation in Brazil: Pedagogical Challenges

Arte y educación profesional en Brasil: desafíos para la docencia

  • Carla Giane Fonseca do Amaral Câmpus Sapucaia do Sul – Brasil
Publicado
2016-02-26

El texto trata de los movimientos provocados por la presencia del arte en una escuela de educación profesional en Brasil. Sobre la orientación de la profesora, estudiantes realizan intervenciones artísticas en la institución. Al realizarse esas propuestas, se percibió que profesores de otras áreas presentan reacciones a tales actividades, entendidas como dislocamientos a partir del arte. Para entender esos dislocamientos, se desarrollo una investigación de Maestría que problematiza los dislocamientos provocados por las prácticas artísticas realizadas por alumnos en ese campus. La investigación apunta al potencial de la experiencia con el arte para la creación de alternativas de formación docente en la educación profesional y enfatiza que hay una mayor apertura a las experiencias estéticas en la escuela, conforme esas prácticas se vuelven más frecuentes.

Palabras clave: Art, Professional education, Displacement, Teaching. (en)
Arte, Educación profesional, Dislocamientos, Docencia. (es)
arte, educação profissional, deslocamentos, docência. (pt)
Carla Giane Fonseca do Amaral, Câmpus Sapucaia do Sul – Brasil

É Mestre em Educação, Especialista em Educação e Licenciada em Artes Visuais. Professora do Curso Técnico em Eventos, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense Câmpus Sapucaia do Sul – Brasil. Tem experiência nas áreas de educação e design, com ênfase em ensino de arte e formação de professores.

APA

Fonseca do Amaral, C. G. (2016). Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência. (pensamiento), (palabra). Y obra, (15). https://doi.org/10.17227/2011804X.15PPO64.71

ACM

[1]
Fonseca do Amaral, C.G. 2016. Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência. (pensamiento), (palabra). Y obra. 15 (ene. 2016). DOI:https://doi.org/10.17227/2011804X.15PPO64.71.

ACS

(1)
Fonseca do Amaral, C. G. Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência. Pensam. palabra obra 2016.

ABNT

FONSECA DO AMARAL, C. G. Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência. (pensamiento), (palabra)... Y obra, [S. l.], n. 15, 2016. DOI: 10.17227/2011804X.15PPO64.71. Disponível em: https://revistas.pedagogica.edu.co/index.php/revistafba/article/view/3677. Acesso em: 16 abr. 2024.

Chicago

Fonseca do Amaral, Carla Giane. 2016. «Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência». (pensamiento), (palabra). Y obra, n.º 15 (enero). https://doi.org/10.17227/2011804X.15PPO64.71.

Harvard

Fonseca do Amaral, C. G. (2016) «Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência», (pensamiento), (palabra). Y obra, (15). doi: 10.17227/2011804X.15PPO64.71.

IEEE

[1]
C. G. Fonseca do Amaral, «Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência», Pensam. palabra obra, n.º 15, ene. 2016.

MLA

Fonseca do Amaral, C. G. «Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência». (pensamiento), (palabra). Y obra, n.º 15, enero de 2016, doi:10.17227/2011804X.15PPO64.71.

Turabian

Fonseca do Amaral, Carla Giane. «Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência». (pensamiento), (palabra). Y obra, no. 15 (enero 1, 2016). Accedido abril 16, 2024. https://revistas.pedagogica.edu.co/index.php/revistafba/article/view/3677.

Vancouver

1.
Fonseca do Amaral CG. Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência. Pensam. palabra obra [Internet]. 1 de enero de 2016 [citado 16 de abril de 2024];(15). Disponible en: https://revistas.pedagogica.edu.co/index.php/revistafba/article/view/3677

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Arte e educação profissional no Brasil: desafios para a docência

Arte y educación profesional en Brasil: desafíos para la docencia

Art and professional formation in Brazil: pedagogical challenges

Carla Giane Fonseca do Amaral*
FSul Câmpus Sapucaia do Sul - Brasil

* É Mestre em Educação, Especialista em Educação e Licenciada em Artes Visuais. Professora do Curso Técnico em Eventos, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense Câmpus Sapucaia do Sul - Brasil. Tem experiência nas áreas de educação e design, com ênfase em ensino de arte e formação de professores.
carlagiamaral@gmail.com

Artículo recibido el 5 de octubre de 2015 y aceptado el 28 de octubre de 2015.


Resumo

O texto trata dos movimentos provocados pela presença da arte em uma escola de educação profissional no Brasil. Sob a orientação da professora, estudantes realizam intervenções artísticas na instituição. Ao realizarem-se essas propostas, percebeu-se que professores de outras áreas apresentam reações a tais atividades, entendidas como deslocamentos a partir da arte. Para entender esses deslocamentos, desenvolveu-se uma pesquisa de Mestrado que problematiza os deslocamentos provocados pelas práticas artísticas realizadas por alunos nesse câmpus. A pesquisa aponta o potencial da experiência com a arte para a criação de alternativas de formação docente na educação profissional e enfatiza que há uma maior abertura às experiências estéticas na escola, conforme essas práticas se tornam mais frequentes.

Palavras-chave: arte, educação profissional, deslocamentos, docência.


Resumen

El texto trata de los movimientos provocados por la presencia del arte en una escuela de educación profesional en Brasil. Sobre la orientación de la profesora, estudiantes realizan intervenciones artísticas en la institución. Al realizarse esas propuestas, se percibió que profesores de otras áreas presentan reacciones a tales actividades, entendidas como dislocamientos a partir del arte. Para entender esos dislocamientos, se desarrolló una investigación de Maestría que problematiza los dislocamientos provocados por las prácticas artísticas realizadas por alumnos en ese campus. La investigación apunta al potencial de la experiencia con el arte para la creación de alternativas de formación docente en la educación profesional y enfatiza que hay una mayor apertura a las experiencias estéticas en la escuela, conforme esas prácticas se vuelven más frecuentes.

Palabras clave: Arte, Educación profesional, Dislocamientos, Docencia.


Abstract

This paper deals with the movements raised by the presence of arts in a professional education school in Brazil. Under the guidance of a teacher, the students undertake artistic interventions in the institution. As soon as these proposals took place, it could be observed that teachers currently working in other areas reacted to such activities, understanding them as disruptions or counterbalances brought from the starting point of art. To understand these shifts, a Master research program was created addressing the question of dislocations caused by the artistic practices carried out by the students at the campus. The research sheds light on the possibilities of experiencing with art in order to create an alternative teacher training in professional education, also emphasizing the fact that a much more open-minded attitude towards aesthetic experiences within the school is to be found as these practices become more frequent.

Keywords: Art - Professional education - Displacement -Teaching.


Introdução

O presente artigo trata dos movimentos desencadeados pela presença da arte em um câmpus de um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, no Brasil1. Nesse sistema de ensino, desenvolve-se a formação técnica dos estudantes, preparando-os para o mundo do trabalho em paralelo à formação básica de nível médio, sendo as duas realizadas em cursos integrados. A arte, como grande área de conhecimento, está presente em diversos desses cursos, abrangida em disciplinas como Arte, Programação Visual e Cultura Visual2, onde os conteúdos envolvem o estudo da história da arte, estética, arte contemporânea, comunicação visual, saberes culturais, entre outros temas relacionados ao campo de estudos das artes visuais e do design. Tratar dessas questões referentes ao campo artístico e relacioná-las à área de formação de cada curso técnico3 existente nesse câmpus é um desafio bastante inquietante, ao qual se procura responder buscando diferentes metodologias de ensino, a fim de que os alunos possam ter encontros significativos com a arte em sua formação, ao mesmo tempo em que produzem os conhecimentos necessários para sua futura atuação no mundo do trabalho. Utilizando-se diferentes alternativas de ensino de arte nesse contexto, percebeu-se que atividades que extrapolam o limite das paredes das salas e tomam corpo pelo espaço da escola têm sido bem aceitas pelos estudantes e proporcionado experiências de aprendizagem legítimas. Sendo assim, têm sido comuns como metodologias de ensino da área de arte, atividades que culminam com exposições pelos espaços compartilhados do instituto, como corredores, área externa e saguão; atividades que têm seu processo de desenvolvimento nesses mesmos espaços ou ainda atividades que utilizam as salas de aula como locais de intervenção em práticas artísticas criadas pelos alunos (Figura 1).

Ao se colocar em prática por diversas vezes essas atividades, percebeu-se que os demais professores4 em atuação nessa instituição se debatiam com dúvidas a respeito da presença da arte no ambiente escolar ou até mesmo sobre a necessidade da arte para a vida. Essas evidências se apresentaram em conversas informais e momentos de discussões políticas e que envolviam investimentos da instituição e demonstram diferentes e sutis formas de resistência à presença da arte nesse ambiente dedicado ao ensino das tecnologias (Figura 2).

Esses movimentos percebidos em relação à presença da arte estão relacionados a algumas convicções que se evidenciam em ambientes marcados pela pedagogia tecnicista: separação entre racional e emocional; valorização de procedimentos instrumentais para resolver problemas pedagógicos; menor importância às áreas ligadas às ciências humanas; desvalorização da arte e de sua importância na formação dos estudantes; crença de que apenas os "especialistas" em arte são afetados por ela e que a discussão relativa às artes só interessa aos profissionais da área.

A partir dessas constatações e de pesquisas recentes que enfatizam do potencial da arte para provocar novas percepções a respeito de educação (Loponte, 2013; Hermann, 2010), se desenvolveu uma pesquisa de Mestrado, buscando investigar os possíveis deslocamentos na docência no ensino tecnológico, a partir da relação desses docentes com a arte, em especial com práticas artísticas contemporâneas.

O referencial teórico da investigação esteve baseado no pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (2001, 2011), pois ele estabelece uma aproximação entre arte vida, tratada na pesquisa como potência para se pensar as práticas pedagógicas na educação profissional e tecnológica. Ele diz que "Como fenômeno estético a existência ainda nos é suportável, e por meio da arte nos são dados olhos e mãos e, sobretudo, boa consciência, para poder fazer de nós mesmos um tal fenômeno" (Nietzsche, 2011, p. 132, §107). Sua valorização dos impulsos estéticos como elementos que podem provocar a criação de diferentes possibilidades de existência possibilita crer que a arte provoca acontecimentos que modificam os processos de formação e têm uma potência que favorece espaços de encontro onde algo novo pode acontecer:

A experiência artística foi posta a serviço da liberação da vontade de potência, das forças expansivas transfiguradoras e afirmadoras da vida, contra a hegemonia do saber teórico, que não faz mais do que negar a vida. A vontade de potência é a força capaz de unificar, hierarquizar, dar forma; é a mais alta potência da arte. (Dias, 2011, p. 57).

O filósofo Michel Foucault, herdeiro das ideias e escritos de Nietzsche, tornou-se importante na investigação por evocar continuamente um pensamento que não deixa de se reinventar, que não deixa de buscar a diferença, tão necessário à educação que pretende ser efetiva no mundo contemporâneo. Várias de suas pesquisas o levaram a um deslocamento, fazendo-o afastar-se de seu projeto inicial de estudo e reorganizá-lo a fim de melhor cumprir sua tarefa. Foucault não deixa esses descaminhos teóricos nos bastidores, ele os evidencia em seus estudos, tratando essa mudança como parte essencial do seu pensamento filosófico:

(...) esforçar-se, começar e recomeçar, experimentar, enganar-se, retomar tudo de cima a baixo e ainda encontrar os meios de hesitar a cada passo, àqueles para quem, em suma, trabalhar mantendo-se em reserva e inquietação equivale a demissão, pois bem, é evidente que não somos do mesmo planeta. (Foucault, 1998, p. 12).

A noção de deslocamento foi tomada como potência para a pesquisa, porque assim como em Foucault, é necessário efetuar um desvio das convicções iniciais sobre a relação entre a arte e a educação profissional, abrindo os seus subterrâneos, encontrando o que pode ser caracterizado como um descaminho nessa relação.

Entendendo que deslocar em Foucault significa "(...) liberar o pensamento daquilo que ele pensa silenciosamente, e permitir-lhe pensar diferente (Foucault, 1998, p. 14)." esse conceito foi tomado como potência para problematizar a relação da arte com o ensino técnico, pois conforme o filósofo-historiador há proveito para o pensamento quando se faz o exercício de desviar do recorrente, em direção a uma curiosidade que permite separar-se de si mesmo:

Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para se continuar a olhar ou a refletir (Foucault, 1998, p. 13).

Assim, o conceito de deslocamento foi compreendido nessa pesquisa, como os movimentos que a arte, em especial a arte contemporânea, pode provocar no campo da educação tecnológica e tomado como possibilidade de alteração de alguns pressupostos tidos como modelo de pensamento que vêm se consolidando ao longo dos anos nesse sistema de ensino.

Metodologia

O método qualitativo se apresentou como o mais indicado para a pesquisa, por tratar de questões que se dão em termos situacionais e locais específicos. Como primeiro passo metodológico da pesquisa, foi enviado por e-mail a todos os 80 docentes do Campus um questionário que tinha por objetivo recolher dados iniciais, durante período de exibição de intervenções artísticas realizadas pelos alunos baseadas no estudo da arte contemporânea.

Dando prosseguimento à pesquisa, o segundo passo metodológico foi a busca por dados empíricos que indicassem como o ensino de arte se constituiu no câmpus em questão, na tentativa de encontrar indícios que permitissem compreender a posição da arte na trajetória dessa instituição. Foram analisados diferentes documentos, como projetos de cursos, grades curriculares, portarias, planos de ensino e ementas das disciplinas de Arte ou similares.

Paralelamente a essa etapa, realizou-se uma pesquisa teórica em bibliografia de referência sobre os temas, especialmente sobre a relação entre a arte, a tecnologia e a história da educação profissional no Brasil e também sobre formação docente para esse sistema de ensino.

Na continuidade da pesquisa, o terceiro passo metodológico foi a realização de intervenções para produção de dados em dois campi do IFSul. Essas intervenções deram-se a partir da exibição de vídeos em espaços de circulação comum das instituições de ensino (Figura 3), com aplicação de questionário que buscava levantar dados sobre as impressões que a inserção dessas práticas provocava nesses ambientes.

Como quarto passo metodológico, foram realizadas entrevistas com professores atuantes nessa rede de ensino, para produzir dados a respeito da formação inicial desses profissionais; entender como se constituem docentes e como se dá sua relação com a docência, com a arte e com as intervenções artísticas públicas em seu local de trabalho.

O guia de entrevista tornou-se, em determinados momentos, focalizado no tema da arte, quando foram introduzidas imagens artísticas como estímulo e subsídio para a conversa (Figura 4). O uso dessas imagens em paralelo a algumas questões das entrevistas provém da aposta de que a experiência com a arte pode ser relevante para pensar a prática docente no ensino tecnológico. Nadja Hermann diz que essa experiência "(...) se dá no relacionamento entre o sujeito e o objeto estético, e isso implica compreender que o sujeito se transforma nessa experiência" (Hermann, 2010, p. 34). Assim, as imagens foram incluídas como forma de proporcionar mais um momento de relação entre os sujeitos da pesquisa e a arte, buscando compreender os possíveis deslocamentos que esse encontro pode desdobrar.

Arte e experiência estética no contexto da investigação

A pesquisa foi desenvolvida com uma ideia de arte aliada à formação, presente na vida cotidiana é capaz de desencadear experiências estéticas. Mais do que ficar circunscrita a uma disciplina do currículo ou a um espaço institucional, a arte perpassa essas esferas e pode provocar a criação de diferentes possibilidades de existência.

As rupturas e mutações no conceito de arte ao longo do século XX que fazem variar o conceito de estética também estão acontecendo nos dias atuais quando novas atividades artísticas, especialmente as relacionadas à arte contemporânea, colocam em cheque a validade da estética enquanto teoria dedicada aos objetos artísticos. Mais do que isso, as práticas estéticas podem ser consideradas "(...) como formas de visibilidade das práticas da arte, do lugar que ocupam, do que "fazem" no que diz respeito ao comum." (Rancière, 2009, p. 17). O conceito e o contexto são fundamentais na prática da arte, e a progressiva eliminação das barreiras entre a arte e cotidiano afeta o entendimento de estética como ciência fundamentada exclusivamente nos objetos artísticos. Atualmente muitos estilos, gêneros e categorias se entrelaçam e podem ser entendidas como arte: música, dança, cinema, teatro e artes visuais são áreas que possibilitam o jogo com o sensível, podendo desencadear ricas experiências. Porém, foi nas artes visuais contemporâneas que se sustentam as questões que permeiam essa investigação, pois a maioria das práticas artísticas desenvolvidas pelos estudantes no câmpus de onde parte a pesquisa são baseadas no estudo de arte contemporânea. Segundo Archer (2001), "A arte é um encontro contínuo e reflexivo com o mundo em que a obra de arte, longe de ser o ponto final desse processo, age como iniciador e ponto central da subsequente investigação do significado" (Archer, 2001, p. 236).

Nesse contexto, a estética passa a estar situada no olhar de quem vê, na maneira como cada indivíduo percebe e frui os objetos artísticos, trazendo à tona a questão da experiência:

Ao contrário de perguntar o que é arte ou se isso é uma obra de arte, vale tomar em questão a experiência de algum objeto, situação, acontecimento ou processo naquilo que ele tem em termos de potencial artístico, ou seja, naquilo que o configura como um acontecimento estético. (Pereira, 2011, p. 113).

A experiência estética também não está limitada à experiência com a arte. Mais do que estar de acordo com os cânones da arte, é a experiência de composição do sujeito/expectador/experimentador com um objeto que o torna objeto estético:

Assim, qualquer objeto artístico ou cultural: todos são e cada um é nada muito mais do que um amontoado de algo material - papel, pedra, corpos, letras, notas, dados, cores, etc. - até que entram em composição ou arranjo com um sujeito que estabeleça com eles uma relação estética e os transfigure em algo que eles apenas eram em potência. (Pereira, 2011, p. 118).

Isso não quer dizer, simplificadamente, que qualquer coisa pode ser um objeto estético. Também não significa que o objeto da experiência deve ser, obrigatoriamente, um objeto com matéria física, o que excluiria a experiência com a música ou projeções em vídeo, por exemplo. Experiências mais cotidianas como os exercícios artísticos citados na introdução desse texto, a visão de uma paisagem diferente ou o simples fato de se atravessar um túnel grafitado na agitação do trânsito da cidade, também podem se configurar em experiências estéticas, quando possuírem características que os tornem capazes de desviar o sujeito do campo de racionalidade que antes o circunscrevia (Pereira, 2011) e provocar outras capacidades éticas.

A educação, enquanto meio pelo qual os hábitos, valores e conhecimentos de uma comunidade são transmitidos, em um processo contínuo de formação ética, pode aproveitar o potencial aguçamento da sensibilidade que a experiência estética promove, fazendo de si um processo de formação que pode ser ético e estético ao mesmo tempo (Hermann, 2005). A partir de Nietzsche, compreende-se que a arte pode despertar questões a respeito de educação, pois segundo ele a arte pode nos colocar uma "(...) interrogação sobre o valor da existência" (Nietzsche, 2001, p. 14, §1). Assim, entende-se a educação profissional como um território de instigantes desafios, percebe-se que é possível movimentar o pensamento a partir de intervenções baseadas na arte contemporânea.

Conclusão

Ao se desenvolverem os passos metodológicos, os docentes atuantes na educação profissional foram expostos ao contato com imagens de obras de arte que pudessem despertá-los para diferentes experiências. A partir de Hermann (2010), acredita-se que a faculdade estética tem condições privilegiadas para trazer a diferença, o singular, o estranho, conigurando deslocamentos, assim todos os questionários e entrevistas perguntavam se, de alguma maneira, aquelas imagens colaboravam com o pensamento a respeito das práticas pedagógicas.

O resultado da análise dos dados permitiu perceber que muitos docentes de distintas áreas de formação e com ou sem licenciatura, responderam airmativamente a essa questão, justificando suas respostas com frases como: o estranhamento provocado pela arte os coloca para pensar as ações pedagógicas e questionar suas práticas e condutas. Termos como discussão, abertura ao diferente e mudança de métodos de trabalho também apareceram relacionados ao que esses docentes pensaram a partir dos vídeos exibidos nos campi.

Acentuando essa perspectiva, durante as entrevistas, ao ser questionado sobre a possibilidade reflexiva das práticas artísticas na escola, um dos docentes disse o que se segue:

Quando tu estás interagindo com uma instalação, que tem uma preocupação, um vídeo ou um quadro e aquilo de alguma maneira faz, por um momento que seja, te faz olhar para algo que não era esperado naquele local e naquele momento, isso te leva à reflexão, te leva a um questionamento, te leva a pensar (Professor licenciado. Entrevista realizada em junho de 2014).

Entende-se que essa postura de disposição ao contato com produções artísticas e a abertura aos questionamentos que a arte provoca seja uma potência que pode ser aproveitada em momentos de formação continuada na educação proissional. Os docentes, ao icarem diante do caráter expansivo das produções contemporâneas, com as quais não estão habituados, parecem permitir que as inquietações relacionadas a essas práticas os afetem, deslocando-os para uma atitude reflexiva com relação à educação. A partir de Foucault (2008) entende-se que os deslocamentos,

(...) assim como os elementos recorrentes dos enunciados, podem reaparecer, se dissociar, se recompor, ganhar em extensão ou em determinação, ser retomados no interior de novas estruturas lógicas, adquirir, em compensação, novos conteúdos semânticos, constituir entre si novas organizações parciais (Foucault, 2008, p. 66).

Acredita-se que essas respostas indicam que a ideia de arte de alguns docentes do ensino tecnológico converge para o entendimento da proximidade entre processo artístico e experiência estética. Os docentes parecem dispostos a se colocar em uma posição de abertura a essas experiências, que pode provocar a quebra de sentidos e a construção de novos, abrindo uma fissura para uma visão diferente em relação à educação. Destaca-se um trecho em que um professor diz que ao ter contato com a arte não sai dali a mesma pessoa, sai reflexivo, pensando sobre a obra que teve a oportunidade de fruir, relacionando essa possibilidade de viver as experiências artísticas esteticamente ao que diz Hermann "Justamente porque a experiência estética produz uma oposição ao mundo cotidiano, seu êxito estaria na possibilidade de vivenciar o singular como contraponto à trivialização da vida (...)" (Hermann, 2010, p. 72).

Paralelamente a isso, o material empírico permite concluir que a presença marcante da arte nessa instituição de educação profissional já tem produzido deslocamentos, no sentido de que a comunidade escolar está mais interessada por essas atividades. As produções artísticas, marginalizadas em algumas situações, se estabelecem entre lutas e disputas e pontuam sua constância na formação dos estudantes, despertando olhares mais abertos também por parte de docentes de outras áreas do conhecimento. Essa maior disponibilidade à fruição artística na instituição vem aumentando na medida em que as exposições e práticas artísticas se tornam cada vez mais frequentes.

Mesmo que a educação profissional seja um espaço onde frequentemente o ato de aprender seja frequentemente relacionado à repetição de uma técnica com perfeição e onde predominam as referências de uma educação fragmentada e racionalista, essa pesquisa permite concluir que a experiência com a arte desloca os sujeitos em direção ao seu caráter formativo, indicando que "(...) algo vem à luz como resultado do enfrentamento do sujeito com a obra de arte" (Hermann, 2010, p. 53).

Considera-se que a produção dessas sutis mudanças na forma como se relacionam com as reproduções de obras de arte surgidas durante as entrevistas são indícios marcantes de que a arte contemporânea - com suas provocações para o exercício de pensamento a partir do estranho, do que pode deslocar - é uma potência que pode ser explorada nos processos de formação continuada docente na educação profissional.

Assim, a educação profissionalizante pode, a partir da aproximação com a arte contemporânea, favorecer-se da pluralidade de sentidos que essa experiência promove. Não sendo necessário abrir mão dos seus princípios de desenvolvimento de capacidades produtivas e atenção ao mercado de trabalho, entende-se que problematizar a docência na EPT a partir de um viés com o qual esses profissionais não estejam acostumados, que lhes seja surpreendente, pode significar a adoção de postura mais flexível diante da docência.

A partir da proximidade dos docentes com o campo estético, aposta-se em uma atitude mais errante na educação tecnológica, que escapa à teimosia em perseguir parâmetros predeinidos.

Uma docência que, ao contrário disso, inventa novas formas de se relacionar com o mundo, entendendo que "(...) toda vida repousa sobre a aparência, a arte, a ilusão, a óptica, a necessidade do perspectivístico e do erro" (Nietzsche, 2001, p. 19, §5).


Notas

1 Trata-se do IFSul Câmpus Sapucaia do Sul, que faz parte da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, também chamada de Rede Federal de EPT.
2 Todas essas disciplinas são da grande área de conhecimento da Arte e são ou já foram ministradas pela autora desse texto, que é a única docente exclusiva da área da arte em atuação nessa instituição.
3 Os cursos técnicos oferecidos por esse Câmpus são Informática, Eventos, Administração e Plásticos.
4 Trabalham nessa escola cerca de 80 docentes com formação em diferentes áreas de conhecimento e a maioria não possui formação em licenciatura, pois as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio no Brasil (Resolução no 06, de 20 de setembro de 2012) permitem que docentes não licenciados atuem nesse sistema de ensino.


Referencias bibliográficas

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