Imagem e Arte: a Necessidade da Experiência pela Sensação

Image and Art: The Need for the Experience Feeling

Imagen y Arte: La necesidad de la experiencia por la sensación

  • Donald Hugh de Barros Kerr Junior (Goy) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL), campus Pelotas, Brasil.
  • Alberto d’Avila Coelho Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL), campus Pelotas, Brasil.
Publicado
2016-02-26

Muchos procedimientos utilizados en propuestas pedagógicas definen las artes visuales en el cotidiano de escuelas brasileras. Cuestionamos aquellos que, despotencializados, continúan afirmando un carácter meramente instrumental y utilitario del quehacer artístico. Comenzamos la discusión tomando procedimientos que acaban confirmando que la imagen en la escuela, en gran parte, es tratada como ilustración y no como productora de pensamiento. Preguntamos: ¿qué alternativas pueden ser erguidas en el sentido de actualizar el uso de la imagen artística en el salón de clase? ¿Cómo huir de los estereotipos y modelos? Nos fundamentamos en los conceptos de experiencia y de arte como sensación. Con el concepto e heterotopía provocamos la percepción de algo que puede romper la sintaxis y presentarse por la sensación. Defendemos prácticas que hagan funcionar el arte como sensación y no a través de un lenguaje que fija y codifica lo no codificable de la experiencia artística. La sensación puede romper también con una formación docente apegada a rótulos, modelos y modismos. Abriéndonos al no cliché, nuevas formas de pensar y sentir, nos aproximan de los modos de crear propios del arte. Al dar continuidad a estos modos en nuestras vidas, repetimos en la diferencia rompiendo con aquellos procesos tan gobernados y lineales que se empeñan obstinadamente en permanecer en nuestra cotidianidad.

Palabras clave: Keywords, image, art education, experience, feeling, sensation. (en)
imagen, enseñanza de arte, experiencia, sensación. (es)
imagem, ensino de arte, experiência, sensação. (pt)
Donald Hugh de Barros Kerr Junior (Goy), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL), campus Pelotas, Brasil.
Pesquisador e professor doutor em Educação, no Programa de Mestrado em Educação e Tecnologia (MPET), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL), campus Pelotas, Brasil.
Alberto d’Avila Coelho, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL), campus Pelotas, Brasil.

Pesquisador e professor doutor em Artes Visuais, no Programa de Mestrado em Educação e Tecnologia (MPET), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL), campus Pelotas, Brasil.

APA

de Barros Kerr Junior (Goy), D. H. y d’Avila Coelho, A. (2016). Imagem e Arte: a Necessidade da Experiência pela Sensação. (pensamiento), (palabra). Y obra, (15). https://doi.org/10.17227/2011804X.15PPO21.31

ACM

[1]
de Barros Kerr Junior (Goy), D.H. y d’Avila Coelho, A. 2016. Imagem e Arte: a Necessidade da Experiência pela Sensação. (pensamiento), (palabra). Y obra. 15 (ene. 2016). DOI:https://doi.org/10.17227/2011804X.15PPO21.31.

ACS

(1)
de Barros Kerr Junior (Goy), D. H.; d’Avila Coelho, A. Imagem e Arte: a Necessidade da Experiência pela Sensação. Pensam. palabra obra 2016.

ABNT

DE BARROS KERR JUNIOR (GOY), D. H.; D’AVILA COELHO, A. Imagem e Arte: a Necessidade da Experiência pela Sensação. (pensamiento), (palabra)... Y obra, [S. l.], n. 15, 2016. DOI: 10.17227/2011804X.15PPO21.31. Disponível em: https://revistas.pedagogica.edu.co/index.php/revistafba/article/view/3672. Acesso em: 19 abr. 2024.

Chicago

de Barros Kerr Junior (Goy), Donald Hugh, y Alberto d’Avila Coelho. 2016. «Imagem e Arte: a Necessidade da Experiência pela Sensação». (pensamiento), (palabra). Y obra, n.º 15 (enero). https://doi.org/10.17227/2011804X.15PPO21.31.

Harvard

de Barros Kerr Junior (Goy), D. H. y d’Avila Coelho, A. (2016) «Imagem e Arte: a Necessidade da Experiência pela Sensação», (pensamiento), (palabra). Y obra, (15). doi: 10.17227/2011804X.15PPO21.31.

IEEE

[1]
D. H. de Barros Kerr Junior (Goy) y A. d’Avila Coelho, «Imagem e Arte: a Necessidade da Experiência pela Sensação», Pensam. palabra obra, n.º 15, ene. 2016.

MLA

de Barros Kerr Junior (Goy), D. H., y A. d’Avila Coelho. «Imagem e Arte: a Necessidade da Experiência pela Sensação». (pensamiento), (palabra). Y obra, n.º 15, enero de 2016, doi:10.17227/2011804X.15PPO21.31.

Turabian

de Barros Kerr Junior (Goy), Donald Hugh, y Alberto d’Avila Coelho. «Imagem e Arte: a Necessidade da Experiência pela Sensação». (pensamiento), (palabra). Y obra, no. 15 (enero 1, 2016). Accedido abril 19, 2024. https://revistas.pedagogica.edu.co/index.php/revistafba/article/view/3672.

Vancouver

1.
de Barros Kerr Junior (Goy) DH, d’Avila Coelho A. Imagem e Arte: a Necessidade da Experiência pela Sensação. Pensam. palabra obra [Internet]. 1 de enero de 2016 [citado 19 de abril de 2024];(15). Disponible en: https://revistas.pedagogica.edu.co/index.php/revistafba/article/view/3672

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IMAGEM E ARTE: A NECESSIDADE DA EXPERIÊNCIA PELA SENSAÇÃO

Imagen y arte: la necesidad de la experiencia por la sensación Resumen

Image and Art: The Need for the Experience Feeling

Donald Hugh de Barros Kerr Junior (Goy)* Alberto d'Avila Coelho**

* Pesquisador e professor doutor em Educação, no Programa de Mestrado em Educação e Tecnologia (MPET), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL), campus Pelotas, Brasil.
Goyjunior1@gmail.com.

** Pesquisador e professor doutor em Artes Visuais, no Programa de Mestrado em Educação e Tecnologia (MPET), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL), campus Pelotas, Brasil.

Artículo recibido El 4 de octubre de 2015 y aceptado El 30 de octubre de 2015


Resumo

Muitos procedimentos utilizados em propostas pedagógicas especificam as artes visuais no cotidiano de escolas brasileiras. Questionamos aqueles que, despotencializados, continuam reafirmando um caráter meramente instrumental e utilitário do fazer artístico. Começamos a discussão tomando procedimentos que acabam confirmando que a imagem na escola, em grande parte, é tratada como ilustração e não como produtora de pensamento. Perguntamos: que alternativas podem ser levantadas no sentido de atualizar o uso da imagem da arte em sala de aula? Como fugir dos estereótipos e modelos? Fundamentamo-nos nos conceitos deexperiência e de arte como sensação. Com o conceito de heterotopui provocamos a percepção de que algo pode romper com a sintaxe e se apresentar pela sensação. Defendemos práticas que façam funcionar a arte como sensação e não através de uma linguagem que fixa e codifica o incodificável da experiência com arte. A sensação pode romper também com uma formação docente apegada a rótulos, modelos e modismo. Abrindo-nos ao não-clichê novas formas de pensar e sentir nos aproximam dos modos de criar próprios da arte. Ao darmos continuidade a estes modos em nossas vidas, repetimos na diferença rompendo com aqueles processos tão dirigidos e lineares que teimam em permanecer no nosso cotidiano.

Palavras-chave: imagem, ensino de arte, experiência, sensação.


Resumen

Muchos procedimientos utilizados en propuestas pedagógicas definen las artes visuales en el cotidiano de escuelas brasileras. Cuestionamos aquellos que, despotencializados, continúan afirmando un carácter meramente instrumental y utilitario del quehacer artístico. Comenzamos la discusión tomando procedimientos que acaban confirmando que la imagen en la escuela, en gran parte, es tratada como ilustración y no como productora de pensamiento. Preguntamos: ¿qué alternativas pueden ser erguidas en el sentido de actualizar el uso de la imagen artística en el salón de clase? ¿Cómo huir de los estereotipos y modelos? Nos fundamentamos en los conceptos de experiencia y de arte como sensación. Con el concepto de heterotopia provocamos la percepción de algo que puede romper la sintaxis y presentarse por la sensación. Defendemos prácticas que hagan funcionar el arte como sensación y no a través de un lenguaje que fija y codifica lo no codificable de la experiencia artística. La sensación puede romper también con una formación docente apegada a rótulos, modelos y modismos. Abriéndonos al no cliché, nuevas formas de pensar y sentir, nos aproximan de los modos de crear propios del arte. Al dar continuidad a estos modos en nuestras vidas, repetimos en la diferencia rompiendo con aquellos procesos tan gobernados y lineales que se empeñan obstinadamente en permanecer en nuestra cotidianidad.

Palabras clave: imagen, enseñanza de arte, experiencia, sensación.


Abstract

In day to day life within Brazilian schools, many procedures defining visual arts are included in educational proposals. We challenge those ones that -depotentialized- continue to stress a purely instrumental and utilitarian nature of artistic work. We start the argument taking procedures that usually confirm the artistic image in school as mere illustration, instead of as a producer of thought. Therefore we address the question: what alternatives may be proposed for updating the use of artistic images in the classroom? How to escape from stereotypes and models? We are founded on the concept of art as experience and feeling, so that, through the concept of heterotopia, we address perception as something capable of breaking the syntax and which may be grasped by feeling. Thus we are prone to practices in which art may act as feeling, and not as a language pretending to encode the non-fixed and uncodifiable content of artistic experience. The feeling can also surpass a teacher training attached to labels, models and idioms. Opening ourselves to the no-cliche and to new ways of thinking and feeling, we get closer to finding our own ways of creating art and get rid of those linear processes that stubbornly insist on remaining active in our daily lives.

Keywords: image, art education, experience, feeling, sensation.


Ao longo das últimas décadas tem-se encontrado relatos, comunicações e publicações em anais de congressos, periódicos, livros e capítulos de livros, sobre os procedimentos utilizados em propostas pedagógicas que especificam as artes visuais no cotidiano de escolas brasileiras. Na grande maioria destes procedimentos os professores utilizam práticas com imagens da arte em sala de aula nas quais predominam a "Abordagem Triangular", proposta muito em voga desde a década de 1990, quando então foi apresentada por Ana Mae Barbosa1.

Ocorre que esta abordagem, que apresentou aos professores de arte brasileiros a possibilidade de trabalhar com a "re-leitura", foi simplificada. Pode-se resumi-la da seguinte maneira: o professor seleciona uma obra de arte (imagem estímulo), cópia ou original2 geralmente de um artista já consagrado, e apresenta aos seus alunos. Normalmente ele começa com informações sobre a obra — o nome do autor, a técnica, a data, o movimento artístico ao qual ela pertence, para logo pedir aos alunos que realizem um trabalho "parecido", mantendo alguma semelhança com a obra escolhida, ou seja, um trabalho plástico que siga como parâmetro o estilo formal da obra. Neste fazer artístico o aluno deverá, de alguma maneira, "re-ler" a imagem estímulo, encontrando uma forma própria para compor sua imagem.

Ao longo dos anos a ação de "re-ler" obras de arte tornou-se rotineira para os professores, o que tem resultado destas releituras são reproduções que fazem da arte uma mera "cópia", e de valor duvidoso, bem distante do que a Abordagem Triangular traz como pressupostos metodológicos e filosóficos. Tudo isso leva a pensar na diferença entre o que os professores de arte acabam fazendo com as "re-leituras" e o antigo modelo da folha mimeografada, por exemplo, que gerava trabalhos quase idênticos, não fosse a utilização das cores, e quando o professor não indicava para o céu, o azul, para o sol, o amarelo, e para as copas das árvores, o verde.

Deste modo, com estas práticas despotencializadas, os professores continuam reafirmando um caráter meramente instrumental e utilitário do fazer artístico, enfraquecendo a área da arte, tirando sua força e impacto transformador. Como estes dados pode-se constatar que, muitas vezes, falta aos professores a percepção dos processos imaginativos, da criação e da experimentação que viveu o artista até chegar aos seus resultados, a sua obra de arte. Assim, infere-se, como algo que foge à previsão de Barbosa (1987), que a forma "triangular" de lidar com as imagens no ensino de arte tornou-se um modelo redutor e inexpressivo, igual a outros procedimentos, como a folha mimeografada, o desenho livre, as datas comemorativas, tornando a "releitura" mais um modismo que se esquece de refletir sobre os seus fundamentos.

Nota-se que na maioria dos relatos que envolvem a "Abordagem Triangular", e outras formas de atuar com arte em sala de aula, os resultados estão muito aquém do que é possível alcançar quando se quer tratar de arte como provocação, invenção, criação, ou como "bloco de sensações" (Deleuze & Guattari, 1992, p. 234), como se deseja demonstrar neste artigo. São procedimentos que acabam confirmando que a imagem na escola, em grande parte, é tratada como ilustração e não como produtora de pensamento. Diante disso pergunta-se: que alternativas podem ser levantadas no sentido de atualizar o uso da imagem da arte em sala de aula? Como fugir dos estereótipos? É necessário um "novo modelo"? Mais uma proposta metodológica? Dentre outras, são estas questões que vemos encaminhando, na busca por construir uma ideia de prática pedagógica com imagens da arte.

No sentido de operar uma abertura para as artes visuais em sala de aula, propomos neste artigo uma fundamentação teórica nos conceitos de experiência e de arte como sensação.

Trabalhamos com a experiência em Jorge Larrosa (2002), do texto "Notas sobre a experiência e o saber de experiência", no qual ele define um sujeito da experiência como alguém que se transforma. Para Larrosa, a experiência tem sido cada vez mais rara exatamente por um excesso de opinião. Tal excesso vem em decorrência da quantidade de informações que se tem acesso; o sujeito da opinião não é o mesmo que o sujeito da experiência. Para Larrosa, "nosotros, en nuestra arrogancia, nos pasamos la vida opinando sobre cualquier cosa sobre la que nos sentimos informados. Y si alguien no tiene opinión (...) se siente en falso, como si le faltara algo esencia" (2003, p. 170). Ao se remeter a realidade predominante nas salas de aula hoje, pergunta-se: e o espaço da experimentação, da descoberta, do erro, da sensação, do tempo...? E a paixão? Quando e como estes aspectos serão trabalhados? Existe um grau de dificuldade quando se quer trabalhar com imagens da arte não como veículos de informação, o que pede que não se caia em modelos, fórmulas ou métodos. Como fazer?

Acreditamos que a ação de produzir saberes como professor de arte revela que informações podem ser tratadas de outra maneira, com o aprender para além de um "adquirir e processar informação" (Larrosa, 2004, p. 155). Aspecto que se torna importante para que ocorra aprendizagem é colocar as informações em movimento, pensar que um dos componentes fundamentais da experiência está em sua capacidade de formação e transformação, sabendo que a ênfase contemporânea na informação não deixa lugar para a experiência, dado que é preciso reverter, segundo Larrosa (2004).

Outra questão importante é quando se escreve sobre uma imagem, quando uma "explicação" empobrece sua multiplicidade de sentido, sua experiência,

[...] por mais que se diga o que se vê, o que se vê não está jamais no que se diz, e por mais que se faça ver por imagens, metáforas, comparações, o que se vai dizer, o lugar onde elas resplandecem não é aquele que os olhos percorrem, mas aquele que as sucessões da sintaxe definem. (Foucault, 2001, p. 201).

Quando Michel Foucault aproxima experiência e linguagem, dizendo que seus escritos não são simplesmente exercícios com a linguagem, ele quer dizer que um sujeito tem que sair transformado de uma experiência e "não só porque afectam de modo singular a quem lê -como a quem os escreve-, até alterar aspectos concretos em seu modo de ser" (Gabilondo, 2004, p. 14).

Para Foucault, existe uma impossibilidade diante de um quadro, o que torna uma tarefa infinita a de "escrever" a imagem fixada pelo pintor. Ele nos oferece um grande material reflexivo sobre o complexo problema dado pela linguagem. Na obra "As Palavras e as Coisas" (1995), no capítulo I "Las Meninas" quando escreve sobre a obra de Diego Velásquez A Meninas (Figura 1), e no livro "Isto não é um cachimbo", referente a obra Isso não é um cachimbo (Figura 2) de Rene Magritte, têm como foco a pintura e o problema da representação, abordando a impossibilidade de, pelas palavras, referirmo-nos a tudo o que está nas imagens pintadas. Diante desta dificuldade, pergunta-se: como pensar ou escrever com, ou a partir, da experiência com as imagens?

Outra maneira de pensar a problemática que envolve imagem e escrita, apresentado desde Foucault, implica em buscar um entendimento acerca da imagem pensada como linguagem, quando ela pode ser heterotopia,

As heterotopias inquietam, sem dúvida, porque elas minam secretamente a linguagem, porque elas impedem de chamar isto e aquilo, porque elas rompem os nomes comuns ou os emaranham, porque elas arruínam antecipadamente a "sintaxe", e não somente na que constrói as frases - aquela menos manifesta que faz manter conjunto (ao lado e a frente umas das outras) as palavras e as coisas. (Foucault, 1966a, p. 9)

Minando secretamente rompe os nomes comuns e a sintaxe, fazendo a linguagem ser pensada como sensação. Para tentar movimentar esses conceitos pela literatura, aproximamo-nos de Beckett:

[...]

como era eu cito antes de Pim com Pim depois de Pim como
é três partes eu digo como ouço

voz uma vez fora quaqua por todos os lados então em mim
quando a ofegação pára conte-mm outra vez termine deme
contar invocação

momentos passados velhos sonhos de volta outra vez ou novos
como os que passam ou coisas coisas sempre e memórias eu
as digo como ouço murmuro-as na lama

em mim que estavam fora quando a ofegação pára sobras de
mal-recapturada mal-murmurada na lama breves
movimentos

de face inferior perdas por toda a parte [...]

(Beckett, Samuel. Como é, 2003, p.11) (fragmentos)

Pensar com Beckett é procurar o sentido no sem sentido, é dar voz a outra sintaxe ou até mesmo a uma assintaxe, como Deleuze anuncia em seu texto "O ato de criação", publicado pela Folha de São Paulo. Ele diz que ter uma ideia, assim como o autor de "Como é", "não é da natureza da comunicação" (1999, p. 6). Beckett não trabalha com a ideia de códigos e sua transmissão, mas aproxima-se a maneira de Foucault, como ruptura da sintaxe. Em Como é parece que Beckett tem ideias literárias que fazem eco com ideias das artes visuais, e que levam a pensar em criação na arte sem comunicação, sem transmissão de códigos, sem uma linguagem.

Retomando a questão da informação, para Deleuze ela compreende um "conjunto de palavras de ordem. São sempre ideias conformes a significações dominantes ou a palavras de ordem estabelecidas, são sempre ideias que verificam algo, mesmo se esse algo está por vir, mesmo se é o porvir da revolução" (1998, p. 53). Quando nos informam sobre algo, nos dizem o que julgam que devemos acreditar, isso é comunicação, o que equivale a dizer que a informação é o sistema de controle. Sendo assim, a informação é "o sistema controlado das palavras de ordem que têm curso numa sociedade" (1999, p. 7). Como a arte pode evitar esta submissão não sendo mais um veículo de controle? A sociedade precisa mais de liberdade e menos de aprisionamentos!

Nas sociedades de controle encontramos além da informação uma contra-informação, e esta contra-informação se torna um ato de resistência. Para Deleuze (1999) um ato de resistência não é nem informação nem contra-informação. Ele diz que entre uma obra de arte e a comunicação não há relação alguma, pois a obra de arte não é instrumento de comunicação, por não conter a mínima informação. No entanto, existe uma afinidade fundamental entre a obra de arte e a resistência, pois a arte seria aquilo que resiste à morte, ou seja aquilo que resiste, mesmo que não seja a única coisa que resista.

A linguagem não é um meio de informação, mas um sistema de comando. Para compreendermos esta definição, Deleuze diz que devemos inverter o esquema da informática:

A informática supõe uma informação teórica máxima; no outro polo, coloca o puro ruído, a interferência; e, entre os dois, a redundância, que diminui a informação, mas lhe permite vencer o ruído. É o contrário: no alto, seria preciso colocar a redundância como transmissão e repetição das ordens ou comandos; embaixo, a informação como sendo sempre o mínimo exigido para a boa recepção das ordens; e mais embaixo ainda? Pois bem, haveria algo como o silêncio, ou como a gagueira, ou como o grito, algo que escorreria sob as redundâncias e as informações, que escorraçaria a linguagem, e que apesar disso seria ouvido (1998, p. 56).

Tornar a linguagem possível significa com que os sons não se confundam com as qualidades sonoras, ou no caso de Beckett, quando inova não apenas no formato do texto, nem nas indeterminações de sentido que anuncia, mas na desestabilização dos elementos estruturais, como por agrupamentos em vários acentos tônicos, compreendidos entre duas pausas, sejam elas lógicas, expressivas ou respiratórias.

O que torna a linguagem possível é o que separa os sons dos corpos e os organiza em proposições, torna-os livres para a função expressiva. "O que torna a linguagem possível é o acontecimento, não se confunde, nem com a proposição que o exprime, nem com o estado daquele que a pronuncia, nem com o estado de coisa designado pela proposição" (1999, p. 188). O acontecimento resulta dos corpos, de suas misturas, de suas ações e suas paixões. A paixão é da carne e a ação é da face. Para Deleuze:

A organização da linguagem apresenta as três figuras da superfície metafísica ou transcendental, da linha incorporal abstrata e do ponto descentrado: os efeitos de superfície ou acontecimentos; na superfície, alinha do sentido imanente ao acontecimento; sobre a linha, o ponto do não-sentido, não-sentido da superfície co-presente ao sentido (1999, p. 189).

Para pensarmos nesta outra organização da linguagem junto a Beckett, teríamos que deslizar de uma organização para outra ou da formação de uma desorganização progressiva e criadora. "O problema é também o da crítica, isto é, da determinação dos níveis diferenciais em que o não-senso muda de figura, a palavra-valise de natureza, a linguagem inteira de dimensão" (Deleuze, 1999, p. 86). Esta outra dimensão, provocada por um deslizamento, faz com que estejamos em um outro mundo e em uma outra linguagem, mas centrado em um ato de criação, o que Deleuze chama de a linguagem da esquizofrenia. "Podemos inventar nossa própria língua e fazer falar a língua pura com um sentido extra-gramatical, mas é preciso que este sentido seja válido em si, isto é, venha do pavor... " (1999, p. 87).

A primeira evidência esquizofrênica é que a superfície se arrebentou. Antoni Artaud3 diz que não há, não existe mais superfície.

Não há fronteira entre as coisas e as proposições, precisamente porque não há mais superfície dos corpos. Ao efeito de linguagem se substitui uma pura linguagem-afeto, um procedimento de paixão, de ser afetado.

Trata-se menos, portanto, para o esquizofrênico de recuperar o sentido que de destruir a palavra, de conjurar o afeto ou de transformar a paixão dolorosa do corpo em ação triunfante, com a obediência em comando, sempre nesta profundidade abaixo da superfície cavada (Deleuze, 1999, p. 91).

Quando analisamos algumas palavras no texto de Beckett, como "quaqua", podemos pensar que "não somente não há mais sentido, mas não há mais gramática ou sintaxe e, em última instância, nem mesmo elementos silábicos, literais ou fonéticos articulados" (Deleuze, 1999, p. 94). Artaud produz um ensaio intitulado "Tentativa antigramatical contra Lewis Carroll", para produzir mergulhos de não-senso na superfície, como forma de reduzir outra coisa que não a gramática e a sintaxe. É uma tentativa de estar na própria língua como um estrangeiro, "traçar para a linguagem uma espécie de linha de fuga" (1998, p. 56). É lidar não com verdadeiras informações.

Quanto a sensação Deleuze diz que ela "é o contrário do fácil e do lugar-comum, do clichê, mas também do sensacional do espontâneo, etc." (2007, p. 42). A sensação possui dois lados que são indissolúveis, é "ser no mundo, e ao mesmo tempo, eu me torno na sensação e alguma coisa acontece pela sensação" (2007, p. 42). O que nos reserva o encontro das sensações com a imagem da arte na contemporaneidade? Como pensar em uma imagem como uma totalidade múltipla?

Anteriormente mencionou-se que a arte conserva, embora não dure mais que seu suporte e seus materiais, pedra, tela, cor química, etc. Se a arte conserva, a coisa tornou-se independente de seu modelo, dos próprios artistas e espectadores, a arte é "independente do criador, pela auto-posição do criado, que se conserva em si. O que se conserva, a coisa ou a obra de arte, é um bloco de sensações, isto é um composto de perceptos e de afectos" (Deleuze, 1996, p. 213).

Os perceptos não são percepções, são independentes do estado daqueles que os experimentam; os afectos não são mais sentimentos ou afecções, transbordam a força daqueles que são atravessados por eles. As sensações, perceptos e afectos, são seres que valem por si mesmos e excedem qualquer vivido. (Deleuze, 1996, p.213)

Pensando assim, a arte existe na ausência do homem, "e a obra de arte é um ser de sensação, e nada mais: ela existe em si" (Deleuze, 1996, p.213). O que o artista cria são blocos de perceptos e afectos, mas a única lei da criação é que este composto fique em pé. Importante ressaltar que, para que os blocos iquem em pé, além dos elementos de saturação, encontramos também bolsões de ar, vazios, pois até mesmo o vazio é uma sensação. Encontramos esta captura de forças na pintura chinesa.

Segundo Deleuze, "pintamos, esculpimos, compomos, escrevemos com sensações" (1996, p. 216) o que se conserva é o percepto e o afecto, "mesmo se o material só durasse alguns segundos, daria à sensação o poder de existir e de se conservar em si, na eternidade que coexiste com esta curta duração" (1996, p. 216).

O objetivo da arte, com os meios do material, é arrancar o percepto das percepções do objeto e dos estados de um sujeito percipiente, arrancar o afecto das afecções, como passagem de um estado a outro. Extrair um bloco de sensações, um puro ser de sensações. (1996, p. 217)

Toda a matéria se torna expressiva. É assim que o pintor faz vir diante de nós, não a semelhança, mas a pura sensação de uma flor torturada, ou uma nova forma de vida. É passarmos da sensação colorida para a colorante. O material particular dos pintores são os traços, as cores, e a sintaxe, "a sintaxe criada que se ergue irresistivelmente em sua obra e entra na sensação" (1996, p. 218). Este modo particular de transformar a sintaxe em sensação, Deleuze chama de estilo. "Sempre é preciso o estilo —a sintaxe de um escritor, os modos e ritmos de um músico, os traços e as cores de um pintor— para se elevar das percepções vividas ao percepto, de afecções vividas ao afecto" (1996, p. 220). A forma de se arrancar as sensações seria através da torção da linguagem, para fazê-la vibrar, abraça-a, fende-a.

Composição é a única definição da arte. A composição é estética. "Não confundiremos, todavia a composição técnica, trabalho do material que faz frequentemente intervir a ciência e a composição estética, que é o trabalho da sensação" (1996, p. 247). Somente a composição estética merece o nome de composição.

Só há um plano único, no sentido em que a arte não comporta outro plano diferente do da composição estética: o plano técnico, com efeito, é necessariamente recoberto ou absorvido pelo plano de composição estética (1996, p. 252).

Há uma condição para que toda matéria se torne expressiva, deve acontecer que o composto de sensação se realizará no material, ou o material entrará no composto.

A estética não é um saber sobre as obras, mas um modo de pensamento que se desdobra acerca delas e que as torna como testemunhos de uma questão: uma questão que se refere ao sensível e à potência de pensamento que o habita antes do pensamento, sem o conhecimento do pensamento (Rancière, 2000, p. 505).

A função da arte é desfazer o mundo da figuração ou da doxa, de despovoar esse mundo, de apagar o que está previamente sobre uma tela, de fender as imagens, para em seu lugar colocar um deserto (vazio). "Na estética pictural deleuziana, o sentido é o de mostrar e alegorizar o momento da metamorfose, de mostrar a arte se fazendo em seu combate com os dados figurativos" (Rancière, 2000, p. 510). A estética seria uma figura do pensamento, assim a estética não centra mais sua atenção sobre a obra, mas no que se sente, na experiência. Desta forma, a estética não remete mais a um pensamento da obra como regras de sua produção, remetendo a ideia de um sensível particular, a presença no sensível de uma potência.

"A estética é a história das formas de coincidência entre o espaço da representação artística e o espaço de uma apresentação do espírito a si mesmo no sensível" (Rancière, 2000, p. 513). Isto significa que o espaço da representação não é mais o espaço de apresentação. É, portanto, sob a forma de tarefa que se apresenta o projeto de igualar a potência da obra à de um puro sensível, de um sensível a-significante. Assim, entre Deleuze e Foucault a imagens do cotidiano inscreve-se como um modo de pensamento, como um modo de pensar arte.

O conceito de heterotopia, crucial no pensamento de Foucault, passando pela estética, pela epistemologia, e pela política, nos provoca a perceber que algo pode romper com a sintaxe e se apresentar pela sensaçcio quando trabalhamos com as artes visuais e sua rica produção de imagens.

Inventar novas possibilidades de experienciar com as imagens da arte é fundamental para romper com os modos hegemônicos da linguagem, quando esta define, normatiza e enclausura diferentes formas de ver e inventar com as imagens na escola.

[...] e é por isso que é preciso constantemente inventar, para a própria linguagem, novas regras operatórias destinadas a abrir as possibilidades de um conhecimento das "relações mtimas e secretas" entre as coisas (Didi-Huberman apud Artières, Bert, Gros & Revel, 2014, p. 244).

Para finalizar acreditamos que hoje é fundamental, necessário e urgente, discutir conceitos que façam funcionar a arte como sensação e não através de uma linguagem que fixa e codifica o incodificável da experiência com arte.

A aproximação da sensação nas experiências com arte faz romper com o clichê. A sensação pode romper também com uma formação docente que ainda se apega a rótulos, modelos e modismo. Abrindo-nos ao novo, ao não-clichê, ao não-óbvio, novas formas de pensar e sentir nos aproximam dos modos de criar, este são próprios da arte. Ao darmos continuidade a estes modos em nossas vidas, repetimos na diferença rompendo com aqueles processos tão dirigidos e lineares que teimam em permanecer no nosso cotidiano.


Notas

1 Em 1987 Ana Mae Barbosa desenvolveu o primeiro programa educativo do gênero, à frente do MAC-USP, com apoio em sua Proposta Triangular ou Abordag em Triangular (também chamada erroneamente de Metodologia Triangular). Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ana_Mae_Barbosa. Acesso em: 20 de setembro de 2014.
2 Havendo a possibilidade o professor pode levar seus alunos a uma exposição de artes visuais, em museus ou galerias, por exemplo.
3 Antoine Marie Joseph Artaud, conhecido como Antonin Artaud (Marselha-04/09/1896 - Paris-04/03/1948) foi um poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro francês de aspirações anarquistas. Ligado fortemente ao surrealismo, foi expulso do movimento por ser contrário à filiação ao partido comunista. Sua obra O Teatro e seu Duplo é um dos principais escritos sobre a arte do teatro no século XX, referência de grandes diretores como Peter Brook, Jerzy Grotowski e Eugenio Barba. Seus restos mortais se encontram no Cimetiere de Marseille, França. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Antonin_Artaud. Acesso em: 23 de novembro de 2015.


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